
04/16/2025
Autoconhecimento, Relacionamentos
A importância de odiar pessoas*
Pode parecer um tanto inusitada a ideia de que, às vezes, precisamos criar espaço para o ódio dentro de nós – isto é, que nosso bem-estar mental pode depender de uma habilidade (seletiva e com prazo definido) de odiar profundamente determinadas pessoas. Afinal, nosso mundo está há tanto tempo impregnado de noções de perdão e de uma mentalidade empática que tendemos a associar o ódio apenas à barbárie e certas patologias.
Porém, quando alguém próximo de nós nos prejudica ou machuca, ignorar a ofensa e simplesmente seguir em frente não deveria ser enaltecido como um gesto nobre. Fazer isso é uma distorção da realidade e pode causar em nós doenças no corpo e na alma, como insônia, depressão, cinismo e sentimento de impotência. Temos tanto medo de que o ódio seja o ponto final de uma situação que nos esquecemos de honrar seu papel legítimo em qualquer processo de reparação. É tão psicologicamente maduro odiar aqueles que nos feriram (e perceber de forma clara e inequívoca que eles fizeram isso) quanto, em outras ocasiões, saber reconhecer e aceitar gestos de ternura.
Não há nada de vingativo ou mesquinho em apontar corretamente que alguém:
- não retribuiu nossa generosidade
- ganhou nossa confiança e depois nos abandonou de forma insensível
- não demonstrou gratidão
- descarregou seu humor azedo em nós
- estava sempre ocupado demais para nos dar atenção
- nunca nos escutou de verdade
- deixou nossa casa bagunçada
- disse que nos amava olhando no olho — e depois descobrimos uma série de mentiras.
Não é um exagero ou “indelicado” se dar conta de coisas assim e, consequentemente, se afastar, xingar, julgar etc. Reações desse tipo fazem parte de uma leitura correta da realidade e de uma tentativa de reequilibrarmos nosso senso de bem e mal, certo e errado.
A razão pela qual alguns de nós têm tanta dificuldade de reagir e, instintivamente, acabam não dizendo nada, fingindo que nada aconteceu com um sorriso no rosto, tem muito pouco a ver com a evolução psicológica, mas sim (e de forma muito mais pungente) com o fato de terem sido desrespeitados no início da vida. Aqueles que não conseguiram identificar suas dores infantis podem, posteriormente, ter muita dificuldade para se indignar de forma apropriada.
Isso geralmente acontece quando, no passado, somos constantemente obrigados a nos sentir culpados ou envergonhados por coisas que não são de nossa responsabilidade. Acabamos então por operar sem desenvolver um instinto de autopreservação emocional nem uma bússola funcional de responsabilidade. Fomos ensinados a não registrar os tapas que recebemos. Não fomos amados o suficiente para saber nomear o ódio.
Para muitos de nós, nossa infância foi palco de um longo e tortuoso aprendizado, a fim de que não entendêssemos quem era o vilão. Como poderia ser um vilão um pai ou uma mãe que, apesar de nos negligenciar emocionalmente, nos sustentava, pagava uma boa escola e nos proporcionava ótimas férias? Como poderíamos odiar alguém que, apesar de ter nos impedido de desenvolver autoconfiança, era tão obviamente inteligente e reverenciado pelas pessoas ao seu redor? O que poderíamos fazer se fôssemos vistos como “ruins” e “egoístas” por alguém muito mais alto e mais capaz do que nós? Como poderíamos nos ressentir de alguém que, no fim, só estava doente ou era um viciado? Este não é um jogo de quebra-cabeça que uma criança pequena consegue montar com facilidade.
Como resultado, para muitos de nós, entender que alguém deliberadamente optou por nos machucar pode ser o último e mais improvável dos pensamentos.
O problema com esse perdão compulsório é o que ele causa em nosso interior. O ódio que não compreende sua origem não se dissipa em forma de tolerância; ele se volta para dentro e começa a corroer o espírito de suas vítimas. Se nossos pais não são más pessoas, então nós é que devemos ser. Se um ex-namorado não tem culpa, nós devemos ter. Se um amigo não faz nada de errado, o erro deve ser nosso. Somos tão culpados, problemáticos e perversos quanto eles são evoluídos, decentes e bem-resolvidos.
Embora a autocrítica seja uma prática muito saudável, há muitas ocasiões em que precisamos perceber e admitir uma verdade bem simples: fomos enganados e temos todo o direito de ficar furiosos. Se fomos traídos, temos o direito de ficar indignados. Se alguém nos abandonou sem dar satisfações, é natural ficar ressentido. Se fomos vítimas de maus-tratos na infância, é sinal de saúde nos sentirmos ofendidos.
Não precisamos ficar nesse lugar da raiva para sempre. Haverá tempo de sobra, por fim, para acolhermos a serenidade e interpretações mais complexas de por que nossos antagonistas agiram como agiram. Mas isso só será bom se antes formos capazes de falar palavrões, arremessar algo (macio) na parede, bater na mesa e, se necessário, ir para o meio do mato gritar bem alto. Isso não é sinal de loucura nem uma escorregada imatura. É a reação proporcional ao que aconteceu. O ódio não é nem deve ser o objetivo final da saúde – mas, por algum tempo, ele pode ser o único e legítimo meio.
* A The School of Life não incita nem estimula, de nenhuma forma, o ódio ou a polarização.