12/29/2019
As Férias em Casa
Deitados na cama tarde da noite ou esperando no terminal do metrô que nos levará para casa, frequentemente devaneamos sobre onde seria muito melhor estar: talvez nas praias do Taiti, um restaurantezinho perto de um canal tranquilo em Veneza, a estrada estonteante da Califórnia ou, quem sabe, as ilhas Faroe, bem no norte da Escócia.
O desejo de viajar quase sempre é aceso por uma ou duas fotos: algumas imagens mentais que encapsulam tudo o que parece de mais atraente em um destino. Uma viagem que dura muitas horas e custa uma pequena fortuna pode ser iniciada por nada mais do que um ou dois cartões postais mentais.
Viajamos por conta de uma crença histórica de que, claro, a realidade de uma cena deve ser melhor do que as fugazes imagens mentais que nos levam até lá, mas deveríamos estudar uma coisa na forma como nossa mente trabalha antes de fazermos as malas: imagens mentais são momentâneas. Em outras palavras, elas duram, no máximo, três segundos. Quando imaginamos uma cena, não imaginamos um filme, mas sim algo muito mais breve e, de muitas maneiras, muito mais moderado: uma foto.
Ainda assim, nunca estamos em um destino só por um instante, e esse fato pode ser suficiente para estragar as esperanças que nos levam para longe de casa. Conhecemos o fenômeno suficientemente bem no cinema. Imagine se, no decorrer de uma história, a tela fosse preenchida por uma visão sublime de ondas do mar batendo contra uma elevação rochosa. Podemos suspirar de desejo por tanto esplendor, mas se a câmera começasse a demorar na cena, poderíamos ficar cada vez mais desconfortáveis. O que é fabuloso em questão de segundos pode se tornar enlouquecedor. Em dois minutos, podemos ficar irritados a ponto de querer ir embora.
Não é que sejamos ingratos ou superficiais, mas sim que absorvemos a beleza rapidamente e, então, queremos seguir em frente. A beleza é como uma piada excelente: rimos, mas não precisamos que o elemento cômico seja repetido continuamente.
As belas imagens mentais que nos fazem viajar são, em essência, versões tremendamente editadas do que realmente encontramos em qualquer destino. Uma hora com certeza veremos essas imagens, mas também veremos muito mais, muito do que é doloroso, tedioso, desanimador ou comum: horas de imagens da poltrona manchada à nossa frente no avião, a nuca do taxista, a parede do hotel barato, uma foto emoldurada de Marilyn Monroe na parede de um restaurantezinho local…
Além disso, sempre haverá outra coisa na lente entre nós e o destino que buscamos, algo tão enganoso e opressor a ponto de minar o propósito de termos saído de casa: nós mesmos.
Por um erro inevitável, nós nos acompanharemos em cada destino que quisermos aproveitar.
Isso significará carregar muito da bagagem mental que nos torna intoleravelmente problemáticos no dia a dia: toda a ansiedade, arrependimento, confusão, culpa, irritabilidade e desespero. Nada desse lado ruim aparece quando imaginamos uma viagem. Na imaginação, conseguimos aproveitar as vistas encantadoras, mas, aos pés do templo dourado ou no topo da montanha coberta por pinheiros, descobrimos que há muito de “nós” invadindo nossa visão.
Arruinamos nossas viagens por um hábito inevitável de nos levar nelas.
Há uma ironia tragicômica em ação: o grande trabalho de nos levarmos fisicamente a um lugar não nos aproximará necessariamente da essência do que estamos buscando. Como companhias aéreas, redes hoteleiras e revistas de viagem conspiram para nunca nos dizer, ao devanear sobre o lugar ideal podemos já ter aproveitado o melhor que qualquer lugar tem a nos oferecer.
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Texto do The Book of Life
Tradução de Lígia Fonseca