10/17/2024
Autoconhecimento
O que podemos aprender com Ulisses e as Sereias
Uma das histórias da mitologia grega que mais tem a nos ensinar descreve a narrativa de Ulisses, rei de Ítaca, navegando no entorno de uma ilha habitada por sereias – famosas por atrair marinheiros à costa rochosa da ilha pelo som de seu canto doce, encantador, e fatal.
Determinado a evitar os efeitos daquela melodia envolvente, Ulisses elabora um plano. Ao se aproximar da ilha, ele pede aos seus marinheiros que o amarrem ao mastro do navio, que coloquem cera de abelha nos próprios ouvidos, e que ignorem quaisquer pedidos que ele possa fazer enquanto amarrado no mastro, por mais convincentes que sejam. Como esperado, Ulisses perde a razão e implora a seus marinheiros que se aproximem das sereias, mas a corda que o amarra ao mastro permanece firme, os marinheiros não ouvem nem o canto das criaturas mágicas, nem as súplicas irracionais de Ulisses e seguem suas ordens originais, tocando o navio a navegar ileso. Ulisses se torna o único mortal a ter ouvido o cantar das sereias e sobrevivido.
A história continua relevante hoje não apenas por toda a imaginação e criatividade envolvidas nos elementos narrativos, mas por exemplificar uma estratégia mental e comportamental à qual todos deveriam recorrer em alguns momentos. Existem situações em que temos de admitir que nenhum argumento filosófico bem elaborado será eficaz – e que apenas uma forma de controle da tentação pode nos salvar. Quando nos deparamos com tentações às quais não somos fortes o suficiente para resistir, temos que conceder a quem está ao nosso redor o poder de impor limites sobre nós. Devemos aceitar de bom grado ser tratados como crianças para que partes preciosas da nossa vida adulta sejam preservadas.
Devemos aceitar sem rancor que simplesmente perdemos o controle, bem como nunca o temos de fato. As ameaças à nossa razoabilidade podem incluir: um ex companheiro pelo qual sofremos por anos da nossa vida, mas para quem desejamos ligar tarde da noite para implorar por uma segunda chance, ou uma criança que nos irrita insuportavelmente, mas com quem não deveríamos discutir do jeito que gostaríamos, um colega de escritório inconveniente que devemos fazer o possível para ignorar, um biscoito que não conseguimos parar de comer quando começamos, ou um feed de rede social que não conseguimos parar de recarregar.
Cada um de nós tem sua própria versão das sereias. Quando tomarmos consciência disso, podemos, sem perder nossa dignidade, reunir os nossos “marinheiros”, com quem navegamos as nossas vidas, e ceder-lhes o direito temporário de tirar o leme de nossas mãos. Devemos entregar nossos telefones aos nossos amigos, dizer-lhes para não nos deixarem comprar aquele doce, e pedir-lhes que monitorem nossas horas de uso de internet.
Nada disso é inspirador em si, mas no final é ainda menos inspirador fingir que sempre podemos agir racionalmente, quando na realidade, nossos momentos verdadeiramente racionais são a exceção.
Quem é genuinamente maduro sabe quando a maturidade não é mais suficiente. Precisamos ser suficientemente sensatos e ter muito autoconhecimento, para dizer àqueles que cuidam de nós: ‘Sou suficientemente forte para saber quão fraco sou; me proteja do que eu quero; me faça a gentileza de me amarrar ao mastro do meu próprio navio…’