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Relacionamentos
Simplicidade: A Marca do Verdadeiro Amor
Nós, seres humanos, temos um imenso apetite por coisas complicadas, feito a neurociência, a astrofísica ou a biologia molecular. Mas também adoramos livros quase indecifráveis, obras de arte abstratas e peças de teatro vanguardistas, sem enredo ou personagens – são coisas que talvez evoquem os enigmas primordiais do universo e a nossa própria (e sempre inefável) existência nele.
Contudo, nossa veneração pela complexidade pode atingir seu ápice mais doloroso, exaustivo e fútil em uma área em particular: os relacionamentos. É aqui que encontramos pessoas, normalmente racionais e perspicazes, demonstrando uma paciência extrema – muitas vezes de anos de tormento – por aquilo que podemos chamar de “situações complicadas”. Essas complexidades podem surgir a partir das seguintes dinâmicas:
— Um parceiro amoroso que quer se comprometer e, com certeza, o fará um dia, mas não agora (por este ou aquele motivo), ou não completamente (por certos medos psicológicos), ou não de forma definitiva, ou pelo menos não sem algumas ressalvas importantes (talvez ele precise de espaço, liberdade ou, como ele mesmo chama, de “uma chance de explorar” – embora o quê, exatamente, ainda não esteja claro, apesar de já termos perguntado muitas e muitas vezes).
— Um parceiro com quem acumulamos muitos mal-entendidos; com quem as palavras perdem seus significados habituais, exigindo horas de discussões para desvendar o que realmente foi dito, enquanto gestos e ações antes considerados inofensivos se tornam o gatilho para grandes e inesperadas irritações.
— Um parceiro que, em teoria, está presente e nos ama muito, mas que, na prática (como na semana passada, e na anterior), está sempre ocupadíssimo, não responde às nossas mensagens, sai o tempo todo com seus muitos amigos incríveis ou precisa focar em seu trabalho extremamente exigente.
— Um parceiro com quem passamos muitas noites acordados, com papel e caneta na mão, tentando entender de onde vêm os problemas, o que está em jogo e como resolvê-los, até finalmente, confusos e tristes, nos recolhermos de volta à cama lá pela 1h da manhã, sentindo-nos frágeis e com vontade de chorar.
— Um parceiro que é o assunto de quase todas as conversas com nossos amigos mais próximos e na terapia, especulando com determinação o que o motiva, quem ele realmente é, por que faz o que faz, como sua infância pode tê-lo afetado, qual é seu tipo de apego, o que o último comportamento estranho pode significar –como se ele fosse uma nebulosa misteriosa em uma galáxia distante a ser analisada, capaz de intrigar os astrônomos mais eruditos.
— Um parceiro que nos faz questionar se somos, no fundo, pessoas desajustadas ou com algum defeito, levando-nos a refletir incessantemente sobre o que podemos ter feito de errado: Será que o ofendemos? Somos exigentes demais? Falta-nos paciência para compreender sua forma de pensar? Talvez, como ele nos disse, estamos pedindo demais ou, como ele sugere, sendo irracionais. Nunca nos sentimos tão confusos ou danificados quanto ao lado desse objeto de nosso afeto.
Tudo isso – a sociedade às vezes parece nos dizer – é apenas como o amor é. Nenhum relacionamento é fácil; nenhum ser humano é simples; tudo requer trabalho árduo.
É justamente por isso que, por vezes, não percebemos quando certos mantras sensatos sobre esforço se transformam, de forma sutil e perigosa, em desculpas para uma paciência excessiva com pessoas completamente inadequadas para o amor mútuo.
Para reduzir esse nosso entusiasmo arriscado pela complexidade emocional, podemos nos lembrar de um princípio geral nos relacionamentos, que poderíamos chamar grandiosamente de Regra da Simplicidade. Ela estabelece que, entre duas pessoas emocionalmente maduras e capazes de funcionar adequadamente, o amor será – em uma visão geral – simples. Sim, haverá conversas difíceis de vez em quando, momentos complicados e a necessidade constante de esforço posto em prática. Mas, essencialmente, haverá uma simplicidade em jogo, baseada em alguns fundamentos: essas pessoas sabem como nos amar e querem isso. E nós também sabemos como amá-las de volta e igualmente queremos fazer isso.
É por isso que essas pessoas sempre aparecem na hora combinada, respondem mensagens prontamente, comunicam-se com clareza, se orgulham de nós, falam de nós para os amigos e nos fazem sentir desejados, tranquilos e seguros do lugar que ocupamos. Somos capazes de ir para a cama em um horário razoável e sem checar o telefone mais uma vez. Qualquer coisa diferente disso pode ser um forte sinal de que algo está errado. O que exatamente pode ser alvo de especulação por séculos: pode ser um trauma de infância, uma condição mental, uma consequência de nossos próprios desejos equivocados ou o resultado de uma ligação complicada com o pai ou a mãe. Mas talvez, no fim das contas, não precisemos saber exatamente o que está acontecendo. Talvez possamos (seguindo a regra) simplesmente interpretar a complexidade como um sinal de que não deveríamos estar ali.
Pode ser o momento de parar de glorificar questões como: Onde ele estava? O que ele quis dizer? Quando vai me ligar? Se ele nos ama, saberemos. Se ele quer estar conosco, ele aparecerá. Uma relação não precisa ser mais complicada do que isso. Quando é viável, o amor é – em suma – algo bastante óbvio.
Se nos encontramos em um relacionamento onde passamos noites escrevendo em um diário ou tentando interpretar sinais ambíguos, isso pode ser apenas a prova de que ultrapassamos o limite da paciência que deveríamos ter com qualquer ser humano. Ou, seguindo a Regra da Simplicidade e falando de forma mais direta, talvez seja apenas hora de fazer as malas e ir embora.